A polêmica da Tania Bulhões – e o que isso diz da nossa ética enquanto consumidores
Nosso comportamento de consumo é uma afirmação cultural. Cada escolha que fazemos carrega um discurso sobre valor, pertencimento e status. Quando aceitamos pagar R$ 200 por uma xícara sem um diferencial real (sem trabalho artesanal, sem design exclusivo, sem material nobre), temos um problema ético. Estamos validando um mercado onde o preço não reflete custo ou qualidade, mas um jogo de ilusão. Em outras palavras, pardon my French, estamos sendo idiotas.
A polêmica da Tania Bulhões
[Caso você já esteja por dentro de tudo, pode pular essa parte]
A polêmica envolvendo a Tania Bulhões escancarou essa dinâmica. Tudo começou quando uma brasileira, de férias na Tailândia, se deparou com xícaras idênticas às da marca, servindo café em um restaurante local. Curiosa, perguntou onde poderia comprá-las e descobriu que eram vendidas por um preço muito menor do que o praticado no Brasil. Compartilhou a descoberta nas redes sociais, e logo outros consumidores começaram a investigar. Descobriram que a mesma louça aparecia em diferentes coleções da marca, reforçando a suspeita de que não se tratavam de peças exclusivas, mas de produtos genéricos sendo revendidos com o logotipo Tania Bulhões.
Tania Bulhões é posicionada como uma marca de luxo, associada à tradição artesanal, sofisticação, exclusividade. Seus produtos são vendidos com a promessa de peças que carregam um valor estético e cultural diferenciado – um discurso que sustenta a precificação premium. Mas se os produtos são comprados prontos, de um fornecedor externo, e apenas rebatizados pela marca no Brasil, o que justifica o preço alto?
Qual é (ou deveria ser) a função da marca
Marca é uma interface entre empresa e consumidor. Ela deveria comunicar o que acontece da porta para dentro, não operar como um drive de valor por si só.
É claro que o objetivo de qualquer negócio é ter uma marca com alto valor percebido. Esse é o papel do branding: construir significado, criar desejo, posicionar um produto ou serviço de maneira que ele seja reconhecido e valorizado. Mas marca não pode ser um fim em si mesma. Ela precisa se ancorar em algo concreto – em diferenciação real, em qualidade, em um sistema de entrega que justifique o valor atribuído.
O problema começa quando a marca se torna maior do que aquilo que ela deveria representar. Quando o nome passa a ser mais importante do que aquilo que sustenta esse nome. Quando o valor percebido não vem do produto, do serviço ou da experiência, mas exclusivamente da chancela de um logotipo.
Eu trabalho com branding, meu objetivo é criar marcas que tenham valor por si só. Mas eu não aceito que elas sejam uma mentira.
Se marca serve para aumentar a percepção de valor, esse valor precisa estar ancorado em algo. Caso contrário, nem é branding, é marketing enganoso. E isso, mais cedo ou mais tarde, estoura e compromete reputação.
Nossa ética enquanto consumidores
Marcas moldam percepções, constroem desejo, criam narrativas. E se não entendemos como esse jogo funciona, nos tornamos alvos fáceis. Passamos a consumir status em vez de substância, a pagar mais pelo que uma coisa representa do que de fato é.
Não podemos nos tornar cúmplices de um modelo onde valor e preço caminham em direções opostas.
Talvez nos educarmos sobre branding sirva não apenas para quem constrói marcas, mas também para quem as consome; para entendermos as dinâmicas que influenciam nossas escolhas, reconhecermos o que de fato sustenta um produto e exercermos um consumo mais consciente (e não sermos feitos de trouxa).
Melissa Resch,
diretora criativa da VOZ Colab
*Esta é uma edição fura-pauta, então não temos as seções de tendências nem “Inimigos do Branding”. Em breve, você receberá uma nova edição fresquinha e completa.
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