É possível ser uma marca à prova de futuro?
O caso Jaguar e os riscos de mudar sem consistência estratégica
Todo marca quer ser à prova de futuro. Mas poucas encaram o que isso exige: fazer mudanças sem perder coerência simbólica e relevância cultural. É um desafio e tanto e, para permanecer no jogo, exige ir além de seguir tendências passageiras para fincar raízes, mas sem deixar de se movimentar.
A Jaguar tentou e, agora, reconhece que errou. Como toda marca que decide mudar, caminhou pela linha tênue entre inovação e continuidade, entre ressignificar e descaracterizar.
Às vezes, uma nova identidade fortalece a conexão com o público. Outras, quebra o elo e transforma admiração em indiferença.
O que determina o desfecho? Estratégia, timing e, acima de tudo, autenticidade.
Reinvenção ou tiro no pé: caso Jaguar
No fim de 2024, a Jaguar tentou se reinventar. Deixou para trás a imagem construída ao longo de décadas — ligada à potência, à performance — e se lançou em um novo território: o mercado de elétricos de ultraluxo. A proposta era de reposicionar a marca para o futuro. O problema foi o caminho escolhido.
O pacote veio completo: novo logotipo minimalista, uma paleta vibrante inspirada no modernismo, produtos com linhas mais suaves e, principalmente, uma campanha publicitária em que os carros foram deixados de lado para dar lugar a modelos e conceitos abstratos, embalados por uma promessa de ruptura total com o slogan “Copy Nothing”.
O resultado das mudanças foi um debate acalorado, dentro e fora do mundo do branding. A marca foi chamada de genérica, comparada a joalherias. A campanha, que trazia uma diversidade nunca antes vista na marca, foi criticada por parte do público conservador como alinhada a uma “agenda woke”, enquanto, para muitos progressistas, a mudança soou tardia e oportunista.
Agora, meio ano depois, a Jaguar sinaliza recuo: no início desta semana, a empresa anunciou uma revisão global da sua conta criativa. A estratégia de negócio voltada ao mercado de elétricos superluxuosos, discutida internamente desde 2021, se mantém. Mas, em relação à marca, deve haver um esforço para reencontrar uma narrativa que traduza esse movimento de forma mais coerente com seus públicos e com o que a marca representa.
Essa história ilustra o que pode acontecer quando uma marca tenta se mover com rapidez diante das mudanças de mercado e do mundo, mas acaba desconsiderando o contexto, enfraquecendo a escuta e se afastando dos elementos estratégicos que sustentam sua essência.
As dimensões do problema
O caso da Jaguar revela uma série de tensões estratégicas que o reposicionamento não conseguiu resolver — e, em muitos casos, agravou. A linguagem visual mudou radicalmente. Com isso, rompeu com códigos que, ao longo do tempo, haviam construído reconhecimento, desejo e pertencimento, dissolvendo parte da conexão emocional com quem já conhecia a marca.
A proposta de se alinhar à sustentabilidade e ao luxo progressista, por si só, não era o problema, tanto que segue como direcional de negócio. O problema foi a forma como isso foi comunicado: uma guinada abrupta, que desconsiderou o peso da trajetória da marca e subestimou os valores que ainda faziam parte do imaginário dos seus públicos.
A leitura de mercado foi reativa. A Jaguar parece ter seguido tendências visuais e discursivas com pressa, ignorando o contexto cultural e estratégico que já habitava. Faltou escuta. A tentativa de construir uma nova percepção se deu num vácuo, sem ancoragem na realidade do negócio nem nas percepções já existentes. E, nesse vácuo, a mudança soou mais como ruptura encenada do que como transformação legítima.
O esforço de criar uma nova narrativa cultural tampouco levou em conta o imaginário que a própria marca ajudou a construir ao longo de décadas. E foi esse imaginário que respondeu.
Entre discurso e prática: como mirar no futuro sem se perder
Se tem algo que o case da Jaguar nos ensina é que mudar por mudar não é estratégia. A Jaguar está, agora, tentando reparar uma transformação mal costurada — e o custo disso vai muito além do financeiro.
Marcas à prova de futuro são as que mudam sem perder sentido. E isso só é possível quando a evolução está alinhada com a história e os valores da marca, o discurso se reflete na prática e no modelo de negócio e a adaptação é realmente estratégica, não só reativa a tendências.
O desafio aqui não é prever o futuro. O que precisamos é ter e criar marcas que estejam prontas para navegar por ele. A mudança é inevitável, já estamos cansados de dizer e ouvir, mas a verdade é que ela só faz sentido quando conduz a algo que permanece relevante.
No fim das contas, a pergunta certa talvez não seja se uma marca pode ser à prova de futuro, mas como ela pode continuar fazendo sentido enquanto o futuro se desenrola.
Samantha Schreiber
Sócia da VOZ Colab
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