Síndrome da primazia digital
Uma geração inteira agora experimenta a vida online como seu espaço mais autêntico
Em março de 2020, jovens entre 12 e 20 anos vivenciaram um deslocamento forçado do espaço onde a identidade se forma. A escola como território de experimentação social, os encontros casuais como laboratório de linguagem, a presença do outro como referência fundamental. Tudo isso foi suspenso no momento mais crítico da formação pessoal. Durante os anos de isolamento da pandemia, adolescentes em formação tiveram seus marcos corporais e sociais fundamentais transferidos para o ambiente digital. Aconteceu, daí, uma reconfiguração profunda na forma como uma geração inteira se relaciona com a realidade.
Sarah Johnson, pesquisadora em Psicologia do Desenvolvimento na Universidade de Stanford e especialista nos impactos da digitalização sobre a formação identitária, cunhou o termo Quarantine Cohort para descrever o grupo de jovens cujos anos formativos coincidiram com o período de isolamento social imposto pela pandemia. Segundo ela, esses adolescentes tiveram sua estrutura psíquica moldada em um contexto em que o digital se tornou o principal ambiente de convivência, expressão e pertencimento. Uma geração que passou a experimentar a vida online como seu espaço mais autêntico, enquanto o mundo físico foi internalizado como cenário secundário, burocrático, incômodo. Essa inversão de primazia afeta desde os modos de socialização até a construção de identidade.
O digital como realidade principal
O que está sendo chamado de síndrome da primazia digital fala de uma inversão: para boa parte dessa geração, o ambiente digital assumiu o papel de realidade principal. O físico tornou-se extensão instável, menos previsível e confortável que o ambiente online.
Há relatos recorrentes de desconexão em ambientes presenciais, como se o corpo estivesse deslocado em relação à identidade formada digitalmente, segundo a pesquisadora. Jovens que se sentem mais inteiros nas trocas mediadas por tela do que nas interações presenciais.
O digital como território de controle
A primazia digital oferece algo que o físico, para essa geração, raramente garante: previsibilidade. O espaço digital permite edição, pausa, reconsideração.
A vida física, ao contrário, exige improviso, exposição, presença sem mediação. Tornou-se, para muitos, um território onde as regras são pouco claras e onde o desempenho social depende de habilidades que não foram adequadamente desenvolvidas.
A escolha pelo online representa uma tentativa de presença, de estabilidade. É a busca por um território onde seja possível existir com algum grau de segurança.
O que isso significa para marcas
Há muitas implicações desse fenômeno para áreas como educação, psicologia, antropologia. Há muitos desafios em curso. Nosso campo aqui, porém, é o branding e, por isso, é preciso contextualizar o que isso indica a gestores de marca.
Para essa audiência, autenticidade se mede também fluidez entre mundos, e não só pela já tão comentada coerência entre discurso e prática no mundo físico. A marca precisa existir de forma igualmente sólida no digital e no físico, sem artificialidade.
Construir território simbólico para a Quarantine Cohort exige compreender que a mediação tecnológica é estrutural, nunca acessória. Estratégias que tratam o digital como canal de distribuição falham em reconhecer que, para essa geração, o online é o lugar onde a vida acontece. Por isso, é preciso:
Assumir o digital como território fundante, não como canal acessório. Marcas que tratam o ambiente online como simples ponto de contato perdem a chance de ocupar o lugar onde a identidade de boa parte dessa geração se constrói.
Desenvolver linguagem que considere a mediação como parte da experiência. Isso significa aceitar que o tempo de resposta, o silêncio, o uso de imagens, os códigos visuais e os formatos não-lineares fazem parte da construção da mensagem. A comunicação não se dá apenas no conteúdo, mas na forma como ele circula.
Criar experiências digitais que respeitem o desejo por controle. Espaços navegáveis, interações que não exigem exposição imediata, ambientes que permitam anonimato ou pseudonímia são mais aderentes à lógica de quem cresceu com medo do julgamento e com pouco treino de improviso social.
Cultivar familiaridade sem forçar intimidade. Existe uma diferença entre se fazer presente e invadir. Essa geração responde melhor à discrição do que à tentativa explícita de se aproximar.
Evitar o uso de autenticidade como fetiche. O discurso da autenticidade, quando vira imperativo, gera ansiedade. Essa geração já vive o suficiente sob pressão para ser alguém. Marcas que se posicionam como espaço de acolhimento para a multiplicidade, inclusive para a dúvida, criam relações mais honestas.
Melissa Resch,
diretora criativa da VOZ Colab
Segundo o relatório The Multiplier Effect*, empresas estão deixando dinheiro na mesa ao tratar a publicidade de marca e a publicidade de performance como estratégias separadas.
Em vez de pensar nesses dois tipos de publicidade como forças distintas e excludentes, deveríamos enxergá-los de forma integrada, com os esforços pelo branding atuando como multiplicador dos resultados de performance: quanto maior a força da marca, maior o retorno das campanhas de performance.

Investimentos excessivos apenas em performance podem reduzir o retorno em receita entre 20% e 50%, segundo dados do relatório. Por outro lado, reequilibrar o portfólio entre ações de marca e performance pode aumentar o retorno total em até 100%, com um ganho médio de 90%. A recomendação prática é destinar pelo menos 30% do orçamento publicitário a iniciativas que construam marca, com 40% a 60% sendo considerado o padrão ideal.
*Relatório lançado em janeiro de 2025 pela WARC em parceria com Analytic Partners, BERA.ai, System1 e Prophet. A proposta é respaldada por estudos conduzidos nos Estados Unidos, mas com validade global.
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